A ideia de criar esse projeto surgiu em 2018 a partir da constatação de uma urgência: É indispensável democratizar a ciência.
O mundo está se tornando mais interligado e complexo.
Não apenas para as grandes decisões da ciência, da economia e da política nacional e mundial, mas para as decisões do dia a dia de uma pequena comunidade ou de uma vizinhança, se não construímos de alguma maneira consensos bem orientados podemos sofrer com qualquer variação perigosa entre a tirania, quando alguém ou um pequeno grupo toma todas as decisões e a desordem, quando nem sabemos quem observa, planeja ou organiza nada, e as coisas tendem a se deteriorar bem rápido.
É indispensável popularizar o conhecimento científico, aumentar exponencialmente a capacidade de compreensão das ideias científicas e tecnológicas e do seu impacto nas nossas vidas, o acesso às metodologias e a participação consciente nas decisões sobre os rumos das tecnologias poderosíssimas que são produzidas a partir do conhecimento que a humanidade cria e controla.
Mas o próprio acesso ao conhecimento e aos espaços onde ele é discutido e produzido na nossa sociedade possui barreiras muito concretas. Primeiro, que a maioria de nós está lutando, na maior parte do tempo, pela sua sobrevivência e integridade biopsicossocial e é frequentemente impedida, somente por essa circunstância, de ter acesso até mesmo à educação básica. Uma minoria nesta sociedade desigual monopoliza o poder sobre o tempo, o espaço e o conhecimento e controla as decisões por fora, por cima e através das instituições sociais públicas e privadas.
É preciso ampliar o acesso ao letramento científico, mas ele precisa ocorrer a partir das necessidades cotidianas e inexoráveis das pessoas, ligado diretamente ao esforço da construção da vida com qualidade que passa tanto pelo acesso à formação teórica, técnica e profissional e educação social, quanto pelas condições fundamentais da vida integral, como moradia, saúde, alimentação, segurança pessoal, cultura, lazer e etc.
A Queremos Saber! se inspira na tradição, nas experiências e no conhecimento de organização e resistência autônoma e colaborativa das comunidades da diáspora africana, que entendemos sintetizado no conceito chamado por Clóvis Moura de Quilombagem, para buscar soluções e criar ferramentas para a aprendizagem a partir da organização comunitária, baseadas no uso comum dos recursos, no debate livre das ideias e na construção colaborativa de conhecimento.
A iniciativa surgiu na Cohab II, na Zona Leste de São Paulo. As pequenas garagens quase padronizadas de alguns conjuntos habitacionais são recursos importantes: viram padarias, igrejas, salões de beleza, oficinas, lojas e abrigam uma infinidade de outras pequenas iniciativas dedicadas a atender a demandas e resolver problemas locais.
Em 2017, tentamos transformar uma dessas garagens em um Laboratório Colaborativo para o conjunto habitacional Petúnias III, na Cohab José Bonifácio. Durante esse projeto, começamos a pesquisar e desenhar um modelo de laboratório básico e modular, que desse conta de atividades transdisciplinares de ciência básica em pequenos grupos. A partir dessa curta experiência, pareceu uma ideia possível juntar as pessoas de diferentes comunidades ou vizinhanças para utilizarem as tecnologias disponíveis e recursos compartilhados e juntarem aquilo que sabem, aprender o que precisam, buscar a ajuda necessária e exigir dos entes responsáveis as condições para resolver seus problemas comuns. Formulamos o conceito de laboratório reprodutível com o uso compartilhável, autogerido através de um aplicativo, e a partir daí passamos à ideia de uma rede de aprendizagem, criação e pesquisa.
Em 2018 surgiu o primeiro projeto organizado da iniciativa, o Quilombo Ciência – uma plataforma virtual de aprendizagem colaborativa baseada em projetos, utilizando a ferramenta Moodle. O Quilombo Ciência é um meio para organizarmos e testarmos o nosso modelo de laboratórios colaborativos e várias outras tecnologias através de trilhas de aprendizagem, criação e pesquisa.
Agora, além do Quilombo Ciência, que já tem a participação de centenas de pessoas de diferentes tipos de comunidades no Brasil e é uma ferramenta para aprender, a Queremos Saber! está apresentando a Qooperativa e a Fabriqa, como instrumentos para a nossa auto-organização para trabalhar e produzir.